Apesar da mortalidade por Covid ter caído em 2022, a doença se mantém entre as cinco principais causas de morte no Brasil, segundo levantamento feito pelo DeltaFolha utilizando dados do SIM (Sistema de Informação de Mortalidade) do Ministério da Saúde.
Em 2020, quando começou a pandemia, morreram 194.976 pessoas de Covid. Com isso, ela se tornou a principal causa de morte por todos os tipos (incluindo causas externas, como acidentes e mortes violentas). O quadro se repetiu em 2021, quando foram contabilizados 424.133 óbitos apenas por Covid.
Nos últimos dois anos, as mortes por Covid superaram os dois principais tipos de causas de morte no país na última década: doenças do aparelho circulatório (incluindo infarto do miocárdio e doença isquêmica) e neoplasias (tumores). Porém, em fevereiro de 2022, a Covid deixou de ser a principal causa de morte no país, ocupando o segundo lugar, atrás de doenças cardiovasculares (um conjunto variado que inclui diversos tipos de doenças).
E, em março, por fim, chegou à sexta posição, atrás de doença isquêmica do coração, doenças cerebrovasculares (AVC), outras doenças cardiovasculares e infecções respiratórias. Os números para 2022, porém, ainda são preliminares.
O cenário mais favorável, segundo os especialistas, deve-se principalmente ao avanço da vacinação, mas ainda é importante olhar para o impacto da Covid na saúde.
“Certamente não estamos vendo aqueles números elevados de mortes [por Covid] como a gente tinha antes”, diz a demógrafa, professora na Universidade Harvard e colunista da Folha de S.Paulo Márcia Castro. “Para ter esse patamar de volta, só com um outro patógeno ou alguma variante que escapasse totalmente de anticorpos.”
Castro ressalta ainda que, apesar da melhora, não é possível prever qual será o patamar anual de mortes pela doença. “Acompanhando as hospitalizações por SRAG [síndrome respiratória aguda grave] por Covid conseguimos estimar a mortalidade de acordo com a tendência nos últimos meses, mas ainda não temos esse número.”
A pesquisadora lembra ainda que as diferentes coberturas vacinais de reforço na população também entram nessa conta. “Em um cenário hipotético em que todas as pessoas recebam os reforços, mesmo assim a mortalidade não vai ser zero, sempre vai existir uma taxa de mortes, mas há muito atraso vacinal.”
A porcentagem no número total de mortes anuais no país por Covid também caiu nos últimos meses. Se em abril de 2021, o mês que mais registrou mortes por Covid, 41,85% das mortes no país foram pelo coronavírus, ela representou cerca de 1,89% das mortes em setembro de 2022, quando foram disponibilizados os últimos dados, porcentagem similar ao que se registra de mortes por homicídio (1,8%).
“Nós tivemos dois picos terríveis que foram em maio de 2020 e depois nos primeiros meses de 2021, mas depois disso a mortalidade foi reduzindo, de tal forma que hoje nós estamos voltando ao nosso patamar basal”, explica o epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Lotufo.
Os efeitos da Covid em outras doenças, porém, podem ainda demorar a ser notados. “O excesso de mortalidade nos dois primeiros anos e ainda em 2022 devido à Covid foi direto, mas a pandemia pode ter provocado uma redução na sobrevida de pacientes com câncer que acabaram morrendo antes do tempo. Por isso, os efeitos nas outras causas de morte ainda estão em observação”, afirma ele.
Já é sabido que a Covid provocou uma redução na expectativa de vida global, de cerca de 1,8 ano, mas no Brasil tal diferença chegou a 4,4 anos, conforme aponta um estudo conduzido por Castro.
“A Covid certamente teve um impacto nas mortalidades por outras causas, mas enquanto em algumas reduziu [porque tiveram menos mortes por aquela causa], em outras ela aumentou, como diabetes e doenças renais. Ela [Covid] não é uma causa de morte independente”, diz a demógrafa.
É importante observar que a Covid é uma causa única, enquanto doenças cardiovasculares representam um conjunto de doenças que inclui várias causas. Alguns tipos de causas de morte vão apresentar variação quanto ao sexo, idade, condição social ou região do país.
Para a assessora técnica sênior da Vital Strategies e ex-diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, o cálculo do impacto que a Covid teve em outras doenças depende de dados estratificados e que são muitas vezes difíceis de obter a nível nacional.
Um exemplo que ela cita é o cálculo de excesso de mortalidade feito nos Estados Unidos por pesquisadores do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). Em alguns locais, como NY, o excesso de mortalidade verificado foi causado 60% por Covid (mortes diretas pela infecção do coronavírus), enquanto o restante foram causas associadas. “A gente sabe que a Covid pode ser uma causa associada ao comparar grupos de pessoas com a condição prévia de saúde e que tiveram ou não Covid. Esses efeitos podem durar ainda um tempo até serem bem definidos”, avalia.
Marinho lembra que a doença que mais teve mortes associadas com a Covid foi diabetes. Um estudo mostrou que 40% dos pacientes diabéticos internados por Covid morreram pela doença, e a taxa de pessoas com diabetes cresceu nos últimos dois anos.
“O custo da saúde será ainda muito maior, porque se antes tínhamos um total de pessoas a cada ano que necessitavam de hospitalização e atendimento médico, agora é muito maior. E, infelizmente, não temos critérios bem definidos para avaliar as sequelas de Covid”, diz. (Bahia Notícias)