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Artigo: A Interdição do Doutor!

Paulo Cabral Tavares - Advogado
Paulo Cabral Tavares – Advogado

O velho médico estava cansado. Triste e amargurado. Chegara por aqui no final dos anos 40. Ainda jovem, recém-formado. Não dá para entender como é que um jovem profissional tenha escolhido trabalhar como médico numa cidadezinha de pouco mais de mil habitantes, sem nenhum recurso para exercer a medicina. Clinicara por mais de cinqüenta anos. Não fizera fortuna. Constituíra família tivera seus filhos e uma reputação de homem de bem e de profissional competente.

Queria que eu lhe explicasse o que significava realmente ser interditado. Seus filhos queriam interditá-lo. Por desavenças com a filha mais nova. Interditar uma pessoa é considerá-la incapaz de exercer os seus direitos civis. Por não ter mais condições de exercê-los. Assim, o interditado não pode gerir sua conta no banco, seus negócios, não tem mais autonomia sobre a sua própria pessoa. Equipara-se a uma criança. A sua vida é entregue aos cuidados de um curador. Não entenda mal.

A juíza designou audiência para que ele, o médico, comparecesse ao fórum para ser ouvido. Como havia tomado uma queda e estava com dificuldades de locomoção, eu pedi à Dra. Juíza para ouvi-lo em casa. A audiência se constitui basicamente do interrogatório do interditando, ou seja, da pessoa que se quer interditar. O juiz lhe faz diversas perguntas sobre a sua vida, sua percepção da realidade, enfim, para averiguar se a pessoa tem ou não condições de agir por conta própria.

Eu desconfio que o doutor, médico competente, tenha tomado o cuidado de tomar alguma pilulazinha para lhe dar estabilidade emocional.

Chegamos à casa do doutor, eu a Juíza, o advogado dos filhos e estes que estavam em pé de guerra. E não faziam questão disfarçar.

Ao ser interrogado o doutor deu um show. Não errou uma só pergunta. Lembrou até dos seus tempos de remador. Dos professores, dos primeiros dias de profissional. Eu senti que a juíza estava admirada com a total sanidade do interditando.
Vendo que ia perder a causa o ilustre advogado adversário, colega de Ipiaú, fez uma reunião com os filhos que pediram a interdição e resolveu desistir da ação.

A Juíza, emocionada, então tomou a palavra. E confessou que também ela era filha de um médico. Como o meu cliente e amigo, o seu pai não fizera fortuna, mas também conquistou uma reputação de homem de bem e de médico competente em Itapetinga. E que quando ela entrou ali, ao ver o doutor, se lembrou da figura de seu pai. E contou uma velha lenda oriental que eu conhecia do meu livro de leitura na escola primária.

Existia um costume no oriente, ainda existe hoje, de que quando uma pessoa estava muito velha era levada para o alto das montanhas, um determinado lugar para esperar a morte. Sem dramas. Mesmo aqueles que são levados para lá aceitam isso sem problemas.

Conta a lenda que um jovem morador daquela região, perto do Himalaia, quando foi levar seu pai, apara aguardar a morte no alto da montanha, deu a ele um cobertor grosso, para ele se aquecer caso sentisse muito frio. Quando filho ia saindo, o velho o chamou. Dividiu o cobertor ao meio e deu a metade ao filho e lhe aconselhou que guardasse para quando chegasse a sua vez de vir esperar a morte. Que ele trouxesse o cobertor para o caso de que o seu filho não tivesse o mesmo cuidado que ele estava tendo com o seu velho pai.

Foi uma comoção. O filho que estava mais brabo teve um acesso de choro e saiu derrubando algumas cadeiras na sua pressa de se ausentar da sala e para que não vissem que ele estava chorando.

Eu senti no semblante do velho médico uma sensação de alívio e de orgulho por um rápido momento. E fiquei feliz por ter podido ajudar um velho amigo e companheiro.


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