
A baiana Camila Pita, de 27 anos, se tornou advogada após uma acusação de homicídio transformar a vida da sua família: quando ainda era adolescente, a mãe dela, a administradora Rosália Maria, foi acusada de matar o namorado. O processo se arrastou por mais de uma década e, 12 anos depois, Camila defendeu a mãe no tribunal.
“Para mim, não restou nenhuma opção além de cursar Direito, porque eu queria entender tudo que estava acontecendo”, explicou a jovem.
Em março de 2012, Camila tinha apenas 14 anos e havia começado a cursar a 1ª série do Ensino Médio na cidade de Valença, no baixo sul da Bahia. No dia 13 daquele mês, ela acordou com a polícia à procura da mãe. “Pensei que ela tinha morrido, entrei em desespero”, contou em entrevista ao g1.

Após conversar com os policiais, Camila entendeu o que tinha acontecido: a mãe, que morava com ela e a avó, havia passado a noite com o namorado, José Antônio Silva; o homem morreu dentro de um carro e a administradora era a única testemunha. A família conta que o casal estava em processo de separação, mas José Antônio não aceitava o rompimento.
Por isso, no mesmo dia em que os agentes bateram na porta delas, a administradora foi ouvida como testemunha e também como suspeita de homicídio. O g1 obteve acesso ao processo, no qual Rosália foi acusada de homicídio qualificado.
“Na época, era o assunto da cidade. Foram muitos comentários contra e a favor. Minha mãe ficou com medo de alguém me fazer algum mal, não gostava que eu saísse de noite”.
Segundo Camila, a mãe atendeu todos os pedidos dos policiais e participou da reconstituição, mas mesmo assim o caso não foi concluído com rapidez. Ao longo do processo, houve diversos adiamentos e pedidos de recursos que atrasaram o julgamento em mais de uma década.
A então adolescente passou a acompanhar cada etapa do caso. Ela questionava os advogados e lia os documentos enquanto concluía a escola. Assim, no momento de se inscrever para o vestibular, não teve dúvida: estudaria Direito e se especializaria em Direito Penal.
Mas o objetivo de Camila nunca foi defender a mãe no tribunal, até porque ela acreditava que quando recebesse o diploma, o caso já teria sido resolvido. Com a escolha do curso, ela pretendia acompanhar melhor o processo e entender cada etapa.
“Eu queria ser delegada, porque acreditava que havia sido um erro de investigação, mas assisti a um júri e fiquei encantada. Era uma advogada mulher, jovem, muito parecida comigo. Depois disso, decidi que iria seguir esse caminho”.
Após se formar, em 2021, Camila passou a trabalhar na área para adquirir experiência. Ela integrou alguns júris e, em novembro de 2024, participou do mais importante deles: o julgamento da própria mãe. A jovem foi uma das sete advogadas na defesa de Rosália Maria.
“Eu não fiquei mais nervosa, pelo contrário, me senti mais tranquila por estar ali naquela posição. Eu sabia que poderia fazer algo para mudar aquela situação”.
O tribunal do júri começou por volta de 8h e só foi finalizado à 1h da manhã do dia seguinte, no Fórum de Valença. Segundo Camila, a cidade compareceu em peso e diversos comércios ficaram fechados ao longo do dia. No fim, a decisão que elas esperavam há 12 anos: Rosália Maria foi absolvida.
“Eu acreditava muito, mas mesmo assim fiquei muito nervosa na espera do resultado. Fiquei muito aliviada com a decisão”, lembrou.
A conclusão do processo
De acordo com o documento fornecido ao g1 pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), os jurados votaram a favor de Rosália Maria. Para eles, não ficou provada a materialidade do crime, ou seja, não encontraram provas de que o homicídio de fato aconteceu.
ENTENDA: a materialidade do crime normalmente é o primeiro quesito apresentado aos jurados. Se eles entendem que não há materialidade, os outros quesitos, como a autoria, nem são analisados e a análise do caso é concluída.
Dessa forma, Rosália Maria foi inocentada. Como não houve pedido de recurso, o processo foi finalizado. (G1)